terça-feira, 30 de setembro de 2008

Morte em Veneza


Revi um clássico da cinematográfica Viscontiana: “Morte em Veneza”. Uma produção apuradíssima e bem tratada em seus mais delicados detalhes.
Visconti filmou como ninguém Thomas Mann, num clássico da literatura em que um compositor alemão viaja para Veneza após recomendações médicas; sua saúde é muito frágil e ele vai ao lindo balneário do Hotel Lido tentar recuperar-se. Mas eis que Gustave, o compositor, “apaixona-se” pelo efebo Tadzio; um menino adolescente que lá encontra-se com suas irmãs e mãe, a linda e estilosa, Silvana Mangano. O filme é maravilhosamente filmado naqueles rápidos closes que só Visconti sabe fazer. O figurino é divino, apaixonei-me por todos aqueles chapéus agigantados e vestidos dos 1900 ; a cidade que esta afundando não poderia ter sido melhor cenário para esta ‘tragédia’. O homem arrebatado pela beleza apolínea do menino semi- Deus. O encontro do compositor com a obra de arte perfeita embalada pelos acordes da 5ª sinfonia de Mahler. É mesmo a definição do sublime.
A beleza de Tadzio atraí e oprime Gustave. Eros e Tanatos, aquilo que o salva ao mesmo tempo vai corroendo-o, sugando suas forças e na metáfora da cidade empesteada pelos ares mediterrâneos, o chamado siroco, Gustave embeveda-se pela beleza de Tadzio que o arrebata e ao mesmo tempo o faz alcançar as esferas do sublime.
Este filme sempre foi tratado como detentor de uma temática homossexual, mas ao meu ver, não é nada disso; muito fácil taxá-lo como tal.... ele é o encontro do homem com a beleza, a beleza da juventude, da perfeição, dos traços andróginos de Tadzio, que lembrou-me muito os rostos das muitas “Monalisas” de Da Vinci, que no fundo, são sempre uma só. Visconti, expõe este cânone, esta perfeição; e o filme trata do arrebatamento, do apaixonamento de nós seres humanos pelo Belo. Afinal o que nos salva ao mesmo tempo nos mata, não? Embriagar-se do belo é também deixar-se dominar, afogar e inundar-se por este. ]
Gustave morre ao final, como o titulo do filme já diz, mas sua morte é asfixiante, sofrida, dolorida, ele deixou-se afogar pelas garras do belo; não o belo narcísico que afoga-se em si mesmo; mas pela descoberta do Belo no fora de nós mesmos e na impossibilidade deste ser possuído, amado e guardado. Enquanto Gustave é frágil, definha e está na meia idade, Tadzio, encontra-se no auge, na puberdade, com sua tez plácida, corpórea como um mármore puro e seus cabelos loiros e vastos - Gustave morre pelo belo. Trata-se do amor platônico, por algo que ele não pode alcançar, tocar mas que o corrompe ao mesmo tempo que seduz
Retiro este magnifíco trecho do original de Thomas Mann:
"Ele era mais bonito do que as palavras podiam exprimir, e Aschenbach (o homem de meia-idade) sentiu dolorosamente, como tantas vezes antes, que a linguagem pode apenas louvar, mas não reproduzir, a beleza que toca os sentidos. (...) Tadzio (o rapaz polaco) sorriu; (...) E recostando-se, com os braços caídos, transbordando de emoção, tremendo repetidamente, segredou a formulação tradicional do desejo - impossível, absurda, abjeta..."
É o encontro do belo ideal, que Gustave buscava alcança em sua arte, que materializa-se na pessoa de Tadzio.
Gustave tenta rejuvenescer, mas a artificialidade perde para o poder do belo angelical, longilíneo, puro e espontâneo. Mas a vida é assim, apaixonamo-nos pelo amor ou pela pessoa amada? A gente se embeveda pelo objeto amado ou pelo enamoramento em si??
O belo e o amor nos encapsulam e nos devoram.

A perfeição o mata.
Este é o arrebatamento maior da vida.

domingo, 7 de setembro de 2008

Linha de Passe



Fui ver “Linha de Passe” de Walter Salles e Daniela Thomas.

De inicio saí reclamando que o filme se pretendia “apologístico” em relação à já de fato conhecida pobreza brasileira em contraponto à vida dos ricos e classe média. Achei que o filme não tinha “história” e perdia em qualidade em relação ao ótimo “Central do Brasil’, do mesmo diretor.

Mas hoje me peguei andando com o cachorro e refletindo sobre o filme.

Uma história simples, a doméstica Cleuza, mãe de quatro filhos ( grávida do 5º), mora na zona periférica de São Paulo. Seus quatro filhos travam verdadeiras batalhas heróicas pela sobrevivência e dignidade no decorrer do filme: O menor, Reginaldo, sonha em conhecer o pai, andando de ônibus delira em pensar que qualquer um dos motoristas destes pode ser o pai . Seu sonho é este: ser motorista de ônibus: outro, Dênis, é moto-boy , enfrenta diariamente aquela luta já conhecida por todos nós destes meninos que correm contra o tempo no trânsito alucinado e colocam suas vidas em risco. Dinho, é evangélico e, Dario sonha em poder ter uma chance de ser jogador de futebol.

Talvez seja isto que não percebi: o filme não tem uma História, pois afinal que história a nossa sociedade brasileira pode oferecer a estas pessoas às margens da sociedade? Que futuro, que oportunidades, que chances? Estes indivíduos são sempre tomados como assaltantes, bandidos, “negros” e seres inferiores. Nós os vemos assim, e assim os tachamos. O preconceito nos envenena.

O filme trata da pobreza. Mas que pobreza? A pobreza na verdade é isto: o não acesso à riqueza das oportunidades, de chances, da verdadeira colocação na sociedade, onde capacitados todos nós possamos passar à LINHA DE PASSE e efetuar o lance “Garrincheano” certo para o gol certeiro. A pia que vive entupida é a metáfora para esta vida que nunca anda, nunca desatola deste lamaçal; dos políticos que mais se preocupam em fazer plásticas e lipo-aspirações em seus rostinhos idiotas para conquistar nossos votos e esquecem-se de efetuar verdadeiras cirurgias corretivas nos bairros e nas VIDAS destas pessoas esquecidas, proporcionando-lhes oportunidades de se tornarem PESSOAS; para poder comprar a chuteira certa, a bolsa bonita para presentear a mãe, aprender a dirigir, para enfim, serem donos de seus próprios destinos e pilotarem seus próprios automóveis.

Estas pessoas não querem nossa esmola, não querem nossos favores, querem poder trabalhar, e ganhar por isso; Cleuza não quer parar de trabalhar e ser substituída por outra, mesmo quando grávida; o moto- boy assalta para pedir para ser olhado, ele diz ao “playboy”: “ME OLHA! VOCÊ ESTA ME VENDO? - ela quer que a gente a encare e a inclua, inclua estes seres na vida que nós, como classe média vivemos e mesmo assim tentamos neste mar de lama poder ter acesso e oportunidades. O filme fala da INCLUSÃO. Talvez nós sejamos às suas drogas, e não eles às nossas, os pobres devem ser incluídos e não excluídos, marginalizados, devemos trazer eles para o discurso, para a sociedade e não para a exploração da sua mão de obra barata . A overdose que Dario toma não é de drogas sintéticas oferecidas pelos "mauricinhos ricos", mas sim uma overdose de exclusão.

Está mais do que na hora de isso acontecer ou esta guerra civil em que vivemos provará mais cedo ou mais tarde que nós somos as pedras nos caminhos destas pessoas e talvez como no Rio de Janeiro, iremos nos extinguir, matando-nos. .

Percebam que o argumento central deste filme foi todo feito por um cineasta que como todos sabem é o maior herdeiro de um banco privado deste país.

Poderia ser um filme de direita que tal como a estética “Sebastião Salgado’, explorou a pobreza e fez esta ter ares bonitos em suas fotos.

Mas não; eu saí do filme engasgada, entupida e com vergonha de ser uma pessoa burguesa, que é mais VISTA e OLHADA do que estes homens e mulheres bonitos e tão dignos de nós de serem olhados e encarados de frente por nosso governo. Mas saí da sala de cinema me sentindo tão pouca CIDADÃ como eles. Eles são cidadãos como nós e a garantia de seus lugares na sociedade, para que eles possam fazer o passe certeiro, lhes existe por direito e não por políticas paternalistas de pena e exclusão sociais.

Parabéns ao Prêmio Sandra Corveloni, e parabéns aos que desempenharam os papéis de seus filhos, todos ótimos atores!

Espero ter conseguido "incomodar" você leitor; vá ver o filme e veja se você também não saí deste pensando a respeito da dignidade e pathos do ser humano.