quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"A Linha e a Agulha" por Machado de Assis

(Publicado originalmente em Gazeta de Notícias, 1885)

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

FIM

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

...E o Cinema matou Hitler


Sinto informar aos fãs de "Pulp Fiction" mas o mais recente filme de Quentin Tarantino "Bastardos Inglórios" é seu melhor filme. Fui assistir por estes dias. Tarantino faz uma fábula do já fiel e conhecido nosso 'filme de guerra'. Porém seu filme é fictício e da melhor ficção viável; não busca como nos comuns filmes deste assuntos um dado verídico e documental e não vemos judeus mortos de fome sendo açoitados em campos de concentração, nem soldados da SS ridicularizando-os.Lembrei-me do já tão criticado "A vida é Bela", também outra excelenete versão do cinema italiano (Roberto Benigni).
Pelo contrário, seu filme fala do tal desejo de vingança que muitos de nós ( e eu posso dizer que sinto isso na pele como uma judia), desejaríamos fazer: acabar com Hitler e seus fiés escudeiros. A obra coloca um bando de americanos caipiras judeus que querem vingar-se da maior quantidade possivel de nazistas executando-os e retirando seus escalpos....claro, tem muito sangue e violência,como todo filme de Tarantino, mas aqui a violência não é gratuita nem esguicha sangue como em "kill Bill" ou "Pulp". Brad Pitt esta ótimo enquanto o líder destes americanos caipiras, que tais como jogadores de baseball matam os nazistas a pancadas ( há aqui uma ridicularização também do americano médio- aquele super -herói comedor de todas as mocinhas dos chamados filmes hollywwodianos do mainstream). Pitt é um soldado idiota, burro até. A ação acaba se centrando na personagem da francesa Shosanna Dreyfuss (Mélanie Laurent), uma judia fugitiva e sobrevivente que também busca vingança. Como em todo filme básico de Tarantino são sempre várias historietas que se desenvolvem simultaneamente e acabam se juntando em determincada hora confluindo num final apocalíptico- , mas o que me agradou é que o grande astro do filme, no caso, Pitt, é um soldado boçal e anti- heróico e o filme se centra em atuações explêndidas de atores pouco conhecidos do público brasileiro p , tais como o coronel Hans Landa (Chrisoph Waltz), excelente ator .
O que agrada é que o filme tem 'punch', a trama é boa, são quase duas horas e meia que passam voando; o enredo ótimo, os atores excelentes. Hitler é ótimamente interpretado também e ridicularizado tendo a cena em que primeiro aparece posando para um artista que faz um mural seu.
Mas o que mais me deliciou foi o fato de a ação principal do filme se desenrolar num cinema , de os alemães serem literalmente lá exterminados; o filme é cheio de citações cinematográficas, um ator que vive ali Emil Jennings (aquele que interpretou o famoso professor alemão que se apaixona pela prostituta Lola vivida por Marlene Dietrich em "Anjo Azul", que se não me engano é de 1919); a atriz/espiã alemã que performa uma não tão distante Mata Hari; e o melhor de tudo é saber que em se tratando de Arte tudo pode ser feito e por ela podemos nos 'vingar' das matanças históricas, purgando-as. Hiteler é morto literalmente no e pelo cinema; e Tarantino faz sua obra máxima,metaliguística, em que nós como espectadores sedentos de vingança somos também encurralados em seu cinema pra ver este ato de 'sacrificio e oferenda". O cinema engole e aniquila os nazistas.
Sua vingança é alegre e libertadora, saimos do cinema nos sentindo leves através das mãos de 'indios -apaches" retirados de um bang -bang folhetinhesco que se passa na Alemanha da Segunda Guerra.É muito bom descobrir que a Grande Arte não precisa apenas nos falar de amores impossíveis, das felicidades alcançáveis da vida mas também da Vingança. A vingança, neste caso,vem pelo cinema, e como alguém ja disse um dia, somente a Arte nos liberta.

Bravo Tarantino!!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Amor replicante


Recentemente ouvi de uma pessoa que me era querida que ela não estava feliz comigo.
Fico me questionando: quem inventou este conceito cretino de felicidade? Por que atribuimos aos outros nos fazerem felizes??
Bom ando muito descrente do homem de modo geral, digo da humanidade...o egoísmo das pessoas me aniquila.
Você fica meses se relacionando com um indivíduo pra depois ser delatada como "uma mosca que pousou na minha sopa"..isto porque não havia desavenças, grandes dramas. Mas descobre que havia somente ELE, ELE, E MAIS NADA. E que você devia ser aquele adendozinho, aquele orgãozinho pendurado nele, tal como um apêndice que de vez em quando ele fazia um carinho e fingia que te gostava.
As pessoas não sabem mais de dar, se doar aos outros?? Amadureçam pessoas e não me venham com papinhos de telenovelas de quinta categoria a la "vamos dar um tempo". Nossa isso ofende meus neurônios!!!
Sejam machos, usem seus colhões, afinal pra mais alguma coisa que sexo eles devem servir.
As pessoas se relacionam com outras hoje esquecendo-se do principal: que há O OUTRO nesta e em qualquer relação. E ela esta alí não apenas pra lhe proporcionar risos, cumplicidades, gozos e outros prazeres mas porque alguém me disse um dia que sair do umbigo de sí mesmo e descobrir o outro e nele mergulhar é uma das melhores coisas que o ser humano pode fazer com outros com os quais se relaciona.E eu ja vivi isto e sempre vivo e continuo afirmando: o OUTRO é o que há de bom, claro, quando este outro tem camadas e mais camadas a serem descobertas e vividas....
Mas pra que ser relacionar com o outro se não há um interesse pelo outro??
Mais fácil: compre uma boneca inflável ou um replicante : ela não vai te cobrar que você deixou de sair com ela pra ver o futebol do seu time e tomar cerveja com seus amigos(e, aliás nunca foi convidada por se tratar de um programa do clube do Bolinha.....; nao vai querer dormir ao seu lado de conchinha, nao vai ter que aturar sua TPM , nem perceber e reclamar que você não quer conhecer os amigos e a família . Não sei porque as pessoas insistem tanto em buscar pessoas pra se relacionar se no fundo não há relacionamento nem um verdadeiro interesse pelo outro: há apenas um USAR o outro e joga-lo no lixo.
Ninguém é um lixo reciclável pra ser jogado fora.
Acho que já to ficando caquética mesmo e não existem mais homens que pensem assim como eu. Até o sexo oposto ja tentei mas devo confessar que homem ainda é o que há de bom nesta vida. Talvez eu mude, mas acho difícil, talvez deva usar os homens como puro prazer de meu hedonismo, ah, vários ao mesmo tempo, sem querer me comprometer com algo ou alguém.....viva o desapego? Será??
Muito recentemente também creio que uma luz apareceu no fim do túnel e estou tentando segui-la
espero que não seja apenas um vagalume pululantee eu me estabaque na parede novamente ... do contrário vou alí encomendar meu replicante na versão Blade Runner do Harrison Ford. Alguém mais quer?? Pois comprando no atacado deve sair mais barato..........