segunda-feira, 20 de junho de 2011

La Notte


Lídia lendo a carta que retira da bolsa:

-" Hoje, quando acordei, você ainda dormia. Aos poucos, acordando senti sua respiração leve. E através dos cabelos que escondiam seu rosto vi seus olhos fechados e senti uma comoção subindo à garganta. Tive vontade de gritar e acordá-la pois o seu cansaço era profundo e mortal. Na penumbra, a pele dos seus braços e pescoço estava viva e eu a sentia morna e seca. Queria passar os lábios nela mas o pensamento de perturbar seu sono e de ainda tê-la em meus braços, me impedia. Preferia tê-la assim como algo que ninguém tiraria de mim, pois só eu a possuía. Uma imagem sua para sempre. Além do seu rosto, via algo mais puro e mais profundo onde eu me refletia. Eu via você numa dimensão que englobava todo o tempo da minha vida. Todos os anos futuros e os que vivi antes de conhecê-la mas já pronto para encontrá-la. Este era o pequeno milagre de um despertar. Sentir pela primeria vez que você me pertencia não só naquele momento, e que a noite era eterna ao seu lado. No calor do seu sangue, dos seus pensamentos e da sua vontade, que se confundia com a minha. Por um momento, entendi o quanto a amava , Lídia e foi uma sensação tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas. Eu pensava que isso jamais deveria terminar. Que toda nossa vida deveria ser como esse despertar. Senti-la não minha...mas uma parte de mim. Uma coisa que respira comigo e que nada pode destruir, a não ser a indiferença de uma hábito que considero a única ameaça. Então, você acordou, e sorrindo, ainda adormecida me beijou, e eu senti que não havia nada a temer. Que seríamos sempre como aquele momento unidos por algo que é mais forte que o tempo e o hábito."

- De quem é essa carta?

- É sua....

(Diálogo final entre os personagens de Jeanne Moreau e M. Mastronianni no filme "A noite", de M. Antonioni).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei ( e o nosso)


O Rei da Inglaterra era gago. Vi por estes dias o excelente filme "The kings speech'. O filme é primoroso, com o excelente Geoffrey Rush, que já viveu o falante Marques de Sade , fazendo aqui um psicoterapeuta da voz, e o também excelente Colin Firth faz o retraído e gago rei George V. Impressionanete como o filme que se insere na Inglaterra dos anos 30/ 40 é tão contemporâneo.Trata de coisas grandiosas e assuntos tão pulsantes no mundo atual. Vivemos uma época em que falamos sem sermos ouvidos, nossos discursos são omitidos de nossas faces, somos quase sempre criaturas sem rosto, sem voz, de escritas, vide a quantidade das redes sociais que se multimplicam.Criamos avatares, somos personagens de nós mesmos mas não damos a cara à tapa.
O filme também mostra o surgimento e expansão do fenômeno radialistico, visto na época como tecnologia mor, onde ainda não existia a imagem que fala (TV).
O rádio possibilitou a saída da voz privada para a pública; o evento da divulgação de discursos sejam estes em sua maioria demagógicos e empedernidos de poder, ou da rádio-novela.. A voz era algo que nos autorizava poder, ação, mobilidade . Hoje ouço sussuros em meio a "véios", "partiu's", "entendeu", "tipo assim" e otras cositas más estranhas. Não tomem meu texto com uma purista que voz escreve, também uso gírias e adoro elas. Assim como palavrões. Mas todos eles são alguns dentre outros recursos da nossa expressão linguística e não formam apenas eles, um vocabulario coeso. Cada vez mais creio que a leitura e o contato fisico com livros, jornais, fanzines deve aumentar. A relação com estes deve ser estimulada. Me dói ouvir como já ouvi diversas vezes: "não consigo ker um livro, me dá sono, preguiça;não tenho paciência". Do contrário daqui a pouco só vamos nos relacionar no nível virtual e "touchable" das telas sensorializadas; trasaremos com máquinas e conversaremos (ou faremos monólogos) com robôs, e isso apenas!
Em determinado momento do filme o rei fala " I have a voice, i am the king " aludindo ao seu desejo de se fazer ouvido, escutado. Cada vez mais vivemos a individualidade da escuta de nosos sentimentos e desejos, as pessoas se usam como produtos e as relações são cada vez mais superficiais. Nao somos mais os reis de nossas vozes, creio que vivemos numa falsa democracia, onde não nos escutam e não exigimos por aquilo que tributamos. O rei do filme consulta-se com um pscicólogo da voz, senta-se num sófa que tem ao fundo uma parede descascada ao inves de algum papel de parede decô estilizado. Metaforas que fazem uma crítica ao desfalecimento de uma monarquia nos dias atuais,á pessoas que servem como mariontes nas maos de outros poderes. Vivemos um momento em que o desfalecimento de ditaduras de décadas no poder parecem crescente (tomara!). Será que a monarquia inglesa ainda faz algum sentido, mesmo que apenas o da sucessão dinástica? Vozes mudas, ueninguem ouve, vozes que praguejam, xingam (hilário o momento que o rei deixa sair de sua garganta xingamentos ), vozes de um poder besta que não presta-se a nada (como metaforiamcanete o psciologo fala em determinado momento). A historia é veridica, e percebemos que o que nos cura é aquilo que nos acalenta, conforta, protege mas ao mesmo tempo nos possibilita autonomia e segurança no estar e ser. Freud já dizia: " o que não é dito torna-se sintoma". O rei precisa falar e se saber entendido para existir enquanto tal. A alteridade pela fala.
Como professora percebo cada vez mais pessoas que não tem dominio de um vocabulário próprio , que pouco lêem, que se expressam cada vez mais por girias. Palavras vazias de conteudos e de expressividade. Vazios de quenturas e presenças, vazios de discursos. Me preocupa muito a fase tecnologica e virtual em que nos inserismos. onde a expressividade basica do ser humano, que é o falar e se expressar foi renegada aos valores virtuais. Por onde andam as vozes das pessoas nos dias de hoje? Somos gagos sociais, encolhemos frases, restringimos significados, nao temos mais a fluência da fala, não sabemos escrever corretamente pois temos preguiça de nos deleitar nas folhas de livros. Somos consumidores de imagens e de produtos , mas de conteudos vagos e vazios. Quando vejo uma pessoa que sabe falar e se comunicar o espanto é tamanho como se isso fosse algo anormal nos dias de hoje
Creio que nossa gaguice é endêmica.