segunda-feira, 20 de junho de 2011

La Notte


Lídia lendo a carta que retira da bolsa:

-" Hoje, quando acordei, você ainda dormia. Aos poucos, acordando senti sua respiração leve. E através dos cabelos que escondiam seu rosto vi seus olhos fechados e senti uma comoção subindo à garganta. Tive vontade de gritar e acordá-la pois o seu cansaço era profundo e mortal. Na penumbra, a pele dos seus braços e pescoço estava viva e eu a sentia morna e seca. Queria passar os lábios nela mas o pensamento de perturbar seu sono e de ainda tê-la em meus braços, me impedia. Preferia tê-la assim como algo que ninguém tiraria de mim, pois só eu a possuía. Uma imagem sua para sempre. Além do seu rosto, via algo mais puro e mais profundo onde eu me refletia. Eu via você numa dimensão que englobava todo o tempo da minha vida. Todos os anos futuros e os que vivi antes de conhecê-la mas já pronto para encontrá-la. Este era o pequeno milagre de um despertar. Sentir pela primeria vez que você me pertencia não só naquele momento, e que a noite era eterna ao seu lado. No calor do seu sangue, dos seus pensamentos e da sua vontade, que se confundia com a minha. Por um momento, entendi o quanto a amava , Lídia e foi uma sensação tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas. Eu pensava que isso jamais deveria terminar. Que toda nossa vida deveria ser como esse despertar. Senti-la não minha...mas uma parte de mim. Uma coisa que respira comigo e que nada pode destruir, a não ser a indiferença de uma hábito que considero a única ameaça. Então, você acordou, e sorrindo, ainda adormecida me beijou, e eu senti que não havia nada a temer. Que seríamos sempre como aquele momento unidos por algo que é mais forte que o tempo e o hábito."

- De quem é essa carta?

- É sua....

(Diálogo final entre os personagens de Jeanne Moreau e M. Mastronianni no filme "A noite", de M. Antonioni).