domingo, 7 de setembro de 2008

Linha de Passe



Fui ver “Linha de Passe” de Walter Salles e Daniela Thomas.

De inicio saí reclamando que o filme se pretendia “apologístico” em relação à já de fato conhecida pobreza brasileira em contraponto à vida dos ricos e classe média. Achei que o filme não tinha “história” e perdia em qualidade em relação ao ótimo “Central do Brasil’, do mesmo diretor.

Mas hoje me peguei andando com o cachorro e refletindo sobre o filme.

Uma história simples, a doméstica Cleuza, mãe de quatro filhos ( grávida do 5º), mora na zona periférica de São Paulo. Seus quatro filhos travam verdadeiras batalhas heróicas pela sobrevivência e dignidade no decorrer do filme: O menor, Reginaldo, sonha em conhecer o pai, andando de ônibus delira em pensar que qualquer um dos motoristas destes pode ser o pai . Seu sonho é este: ser motorista de ônibus: outro, Dênis, é moto-boy , enfrenta diariamente aquela luta já conhecida por todos nós destes meninos que correm contra o tempo no trânsito alucinado e colocam suas vidas em risco. Dinho, é evangélico e, Dario sonha em poder ter uma chance de ser jogador de futebol.

Talvez seja isto que não percebi: o filme não tem uma História, pois afinal que história a nossa sociedade brasileira pode oferecer a estas pessoas às margens da sociedade? Que futuro, que oportunidades, que chances? Estes indivíduos são sempre tomados como assaltantes, bandidos, “negros” e seres inferiores. Nós os vemos assim, e assim os tachamos. O preconceito nos envenena.

O filme trata da pobreza. Mas que pobreza? A pobreza na verdade é isto: o não acesso à riqueza das oportunidades, de chances, da verdadeira colocação na sociedade, onde capacitados todos nós possamos passar à LINHA DE PASSE e efetuar o lance “Garrincheano” certo para o gol certeiro. A pia que vive entupida é a metáfora para esta vida que nunca anda, nunca desatola deste lamaçal; dos políticos que mais se preocupam em fazer plásticas e lipo-aspirações em seus rostinhos idiotas para conquistar nossos votos e esquecem-se de efetuar verdadeiras cirurgias corretivas nos bairros e nas VIDAS destas pessoas esquecidas, proporcionando-lhes oportunidades de se tornarem PESSOAS; para poder comprar a chuteira certa, a bolsa bonita para presentear a mãe, aprender a dirigir, para enfim, serem donos de seus próprios destinos e pilotarem seus próprios automóveis.

Estas pessoas não querem nossa esmola, não querem nossos favores, querem poder trabalhar, e ganhar por isso; Cleuza não quer parar de trabalhar e ser substituída por outra, mesmo quando grávida; o moto- boy assalta para pedir para ser olhado, ele diz ao “playboy”: “ME OLHA! VOCÊ ESTA ME VENDO? - ela quer que a gente a encare e a inclua, inclua estes seres na vida que nós, como classe média vivemos e mesmo assim tentamos neste mar de lama poder ter acesso e oportunidades. O filme fala da INCLUSÃO. Talvez nós sejamos às suas drogas, e não eles às nossas, os pobres devem ser incluídos e não excluídos, marginalizados, devemos trazer eles para o discurso, para a sociedade e não para a exploração da sua mão de obra barata . A overdose que Dario toma não é de drogas sintéticas oferecidas pelos "mauricinhos ricos", mas sim uma overdose de exclusão.

Está mais do que na hora de isso acontecer ou esta guerra civil em que vivemos provará mais cedo ou mais tarde que nós somos as pedras nos caminhos destas pessoas e talvez como no Rio de Janeiro, iremos nos extinguir, matando-nos. .

Percebam que o argumento central deste filme foi todo feito por um cineasta que como todos sabem é o maior herdeiro de um banco privado deste país.

Poderia ser um filme de direita que tal como a estética “Sebastião Salgado’, explorou a pobreza e fez esta ter ares bonitos em suas fotos.

Mas não; eu saí do filme engasgada, entupida e com vergonha de ser uma pessoa burguesa, que é mais VISTA e OLHADA do que estes homens e mulheres bonitos e tão dignos de nós de serem olhados e encarados de frente por nosso governo. Mas saí da sala de cinema me sentindo tão pouca CIDADÃ como eles. Eles são cidadãos como nós e a garantia de seus lugares na sociedade, para que eles possam fazer o passe certeiro, lhes existe por direito e não por políticas paternalistas de pena e exclusão sociais.

Parabéns ao Prêmio Sandra Corveloni, e parabéns aos que desempenharam os papéis de seus filhos, todos ótimos atores!

Espero ter conseguido "incomodar" você leitor; vá ver o filme e veja se você também não saí deste pensando a respeito da dignidade e pathos do ser humano.

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