quarta-feira, 9 de julho de 2008

O Escafandro e a Borboleta


A vida vista apenas pelo olho esquerdo.

É assim que começa o filme “O escafandro e a borboleta’ do excelente artista plástico e diretor de cinema Julian Schnabel (fez outros dois ótimos filmes “Before the night falls” e “Basquiat”).

Um filme baseado em fatos reais, na vida do editor da revista Elle Jean-Dominique Bauby, na época com então 40 e poucos anos ( a história se passa em 1995), pai de familia, que sofre um derrame cerebral e apenas através de seu olho esquerdo consegue comunicar-se com o mundo exterior. Os primeiros 20 minutos iniciais do filme são todos filmados do ponto de vista do protagonista, a câmera encontra-se literalmente em seu olho, percebemos e somos seu olho, e passamos a nos identificar com esta personagem que passa a comunicar-se com o mundo através de piscadas . Seu ponto de fuga é este, restrito.Vemos através de seu embaçamento, de seus piscares,(lembrei-me agora do filme “Quero ser John Malcovitch”, em que uma personagem entra dentro da cabeça do citado ator e passa a ver de dentro de sua cabeça também...), e como o próprio personagem diz agora o que lhe resta do mundo são sua memória e sua imaginação, ou, do contrário, entregar-se à morte.

Seu olho é sua pena, ele soletra, letra por letra, demorada e pacientemente a sua vida, e esta é a matéria de seu livro autobiográfico,que originou o filme. O filme é, portanto,regido por esta metalinguagem.

O interessante deste filme é que ele nos coloca no tempo contemplativo deste homem imobilizado, o tempo da espera, do devir, onde todo e qualquer esforço é dificílimo, e cada letra tão cheia de pensamentos completos e imagens risíveis.

Bauby, sonha, imagina, mas na vida real , ficou quase um ano vivendo nesta condição, ditando sua vida e memórias.

Muito louco pensar esta vida no tempo da simultaneidade, do celular, da comunicação em massa, da internet. Mundo este em que o silêncio não é possível, a imobilidade muito menos e talvez até mesmo a imaginação fértil.

O filme me fez pensar no poder da imaginação. Hoje imaginamos cada vez menos, a mídia e o mundo do consumo nos ditam o que e de que forma fazer isto ou aquilo. Não nos debruçamos mais para escrever, não debatemos mais nossos sonhos, não desenhamos ou criamos mais. Para onde foi nossa mente imaginativa e criativa??

Onde mora o poder do sonho e da fantasia que tudo pode?

As máquinas contemporâneas nos tornaram seus escravos e nossas mentes criativas embalsamaram-se; não vejo hoje mais as pessoas criando,debruçando-se sobre o delírio e serem tomadas por surtos criativos, elas apenas consomem e sentem-se vazias. Visto que podem fazer tudo isto mexendo todos os órgãos de seus corpos, tão empobrecidos, utilizados apenas para o mercado. Bauby com apenas um órgão expressivo cria mundos infinitos e reergue-se como ser humano.

O filme é todo tátil, cheio de texturas riquíssimas, onde simples imagens de cabelo ao vento podem tornar-se tufões da natureza. 0 horizonte do ponto de vista de Bauby é outro, suas paisagens são outras. Tudo passa a ser relativizados e potencializado ou diminuído a partir da nova condição deste personagem. Ele não se deixa afundar pelo peso do escafandro de ferro mas liberta-se nas asas da borboleta. Sente-se como um escafandrista preso e incomunicável no fundo do mar, mas quando imagina, sua mente corre solta tal como uma borboleta desencasulada. O filme oscila entre o vai e vem de seus flaskbacks e os delírios imaginativos de seu incansável cérebro.

Através de suas lembranças e delírios,o peso de seu corpo ganha asas e ele pode voar.

Bom ver filmes inteligentes e não politicamente corretos em que ficamos sentido pena do protagonista enclausurado em sua deficiência. Palmas para Schnabel.

Ou melhor, um bater de asas, de borboleta, claro!

Um comentário:

Priscilla Vassão disse...

me deu vontade de ler. pronto, está decidido!