“Feliz é o destino da inocente vestal
Esquecida pelo mundo que ela esqueceu
Brilho eterno da mente sem lembrança”.
Alexander Pope (1688-1744), no poema “Eloísa to Abelard” de 366 versos.
“Abençoados os que esquecem, porque aproveitam ate mesmo seus equívocos”
(Friedrich Nietzsche (1844-1900)).
Fui ver este filme, é fantástico! Afinal, trata-se de uma história de amor, e da memória que temos do amor. Os protagonistas querem esquecer-se um do outro. E esquecem-se. Mas e nós? Como ficamos em meio a este esquecimento todo?
O que é o esquecimento? O que é a memória? Podemos apagar nossos atos passados? Nossas vivências, experiências, amadurecências? De início o personagem vivido por Jim Carrey parece-nos meio esquisito, esquizofrênico eu diria...Mas em meio ao transcorrer do filme percebemos que sua namorada também o é...,Ou melhor, já era antes dele... Percebemos que todos nós já vivemos situações afetivas, relacionamentos amorosos que quisermos deletar. No momento que os encerramos queríamos, por um instante, não ter vivido estes...queríamos ter apagado este momentos, estas vivências, tornando-as espaços entre, espaços ocos, espaços nulos, não memórias, não lembranças.......Hiatos.
A estética do filme lembra Bosch, Dalí e suas muletas e relógios que escorrem...Somos adultos sendo crianças, encolhemos; tal como na terra de Gulliver, nos banhamos em pias, tetos, paredes, muros, pessoas, chãos desaparecem...Novamente, qual o lugar da memória? Em que cantos obscuros de nosso cérebro, de nosso inconsciente ficam as memórias das pessoas que amamos? Onde fica esta caixinha de música? Onde ficam armazenas nossas memórias eletivas?
Lembrei-me do nome da empresa que ‘patrocina’ na mente de ambos este apagamento da pessoa que amam-, chama-se Lacuna Inc. Nome sugestivo. Podemos criar lacunas em nossas cabeças? Esconder para baixo do tapete cerebral pessoas?
O arrependimento deste apagamento bate em certo ponto do filme e tal como num filme policial de perseguição, Carrey foge da máquina que perfura suas memórias querendo-as deleta-las.Procedimento muito comum em nosso mundo contemporâneo. Constantemente nossa mente é lobotomizadas, escaneada e tudo é mandado para o ‘ícone’ Lixeira. O personagem cria subterfúgios para esconder-se dentro de suas próprias lembranças, uma delas é escondendo-se em suas humilhações da infância, quando a amada ainda não existia e, portanto no presente da máquina castradora que escaneia todas as memórias em que esta se via presente não será possível deleta-la, ela a amada e elas as memórias desta.
O tempo da mente é sincrônico, as memórias convivem todas juntas, interpenetrando-se, não seguem uma lógica temporal, mas emocional. Nossa vida real é vivida conscientemente e nossa vida inconsciente é caleidóscopica, cumulativa e pulsante.
Quais são as passagens secretas dentro de nossas cabeças? A lógica parece algo ilógico. Mas odiar no outro aquilo que nos incomoda faz parte de nos percebermos como seres diferentes, que necessitam do diferente para nos desenvolvermos. Isto é a alteridade, a tomada de consciência pela consciência do outro. Mas sem a ciência. E sem a Ciência.
Apenas na morte podemos esquecer quem somos.
Os arquivos passam a ser de fato mortos.
Há metáforas de uma riqueza extenuante neste filme: num dado momento vemos o mar com suas ondas a bater na areia e a neve a cobrir esta.Dois estados de uma coisa só convivem, a neve e o mar, o estado liquido e seu estado matérico, a neve. Assim como o inconsciente e o consciente, gelo e água, dois estados de uma mesma coisa, H2O, ou melhor, a MENTE; constante dualidade
Julho 2004.
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